quarta-feira, 19 de maio de 2010

Um novo Modismo evangelico






Ricardo Gondim



Eu estava no culto em que um pastor alardeou que obturações de ouro seriam dadas por Deus. Em instantes, as pessoas passaram a examinar umas às outras e, pasmas, choravam afirmando que muitos dentes estavam divinamente restaurados. Presenciei um evangelista norte americano soprando - pretensamente como Jesus fez em seu ministério - e pessoas sendo jogadas no chão. Assustei-me com a trivialidade com que alguns pastores relataram seus encontros com anjos. Estupefato, ouvi um novo modo de orar entre os evangélicos: as preces agora vinham entrecortadas com ordens exorcizando demônios. Inquietei-me com uma geração de evangélicos amedrontados com maldições e pragas. Imperativos que "amarravam" demônios deixaram-me desassossegado.

A igreja evangélica brasileira é muito frágil teologicamente. Por isso sofre com os mais diversos modismos. Lembro-me que, em um congresso para líderes, fui desafiado a falar sobre qual seria a próxima moda que varreria a igreja nacional. Recordo-me que comecei minha palestra afirmando que, em primeiro lugar, seria necessário entender como as forças do mercado agem na elaboração teológica. Assim, qualquer movimento vindo do exterior e que tenha sido bem sucedido lá será copiado aqui. As lideranças evangélicas querem achar o método que alavancará suas comunidades. Se uma determinada estratégia mostra-se eficaz no exterior, aqui dificilmente se questionará a teologia que a alicerça. Em segundo lugar, o brasileiro culturalmente místico. Tendemos a aceitar acriticamente propostas teológicas que promovam experiências sobrenaturais. O brasileiro sente fascínio pelo mistério e pela magia. Afirmei também que, copiando o mundo pós-moderno, a igreja busca estratégias de resultados imediatos.

Acredito que os modismos não podem ser detectados com antecedência. Mas qualquer que seja a próxima onda, a igreja precisa estabelecer alguns princípios. Eles ajudarão para que não se embarque em novidades sem discernimento crítico. A teologia da cruz

Preocupado com possíveis acréscimos à cruz, Paulo escreveu aos gálatas. Os fariseus convertidos queriam que, além da doutrina da redenção, se acrescentassem alguns preceitos essenciais ao judaísmo, como a circuncisão. Sua carta procura enaltecer a suficiência do sacrifício de Cristo. Ele acredita que qualquer acréscimo à expiação de Cristo não apenas enfraquece as bases do cristianismo, como as anula: "Eu, porém, irmãos, se ainda prego a circuncisão, por que continuo sendo perseguido? Logo está desfeito o escândalo da cruz" (Gl 5.11).



Não seriam os movimentos de "cura interior" que se alastram nas igrejas evangélicas um enfraquecimento da doutrina do novo nascimento? Recebi de um leitor do Ultimato um formulário de quatorze páginas para um seminário de cura interior ministrado em várias igrejas pelo Brasil. O seminário é para cristãos que ainda carregam seqüelas de pecados do passado. A pessoa passa por uma longa sabatina, revolvendo toda a sua vida à procura de aberturas espirituais no passado que ainda tragam maldições no presente. Buscam ser exaustivos e chegam às raias da paranóia. Indagam se a pessoa comeu cocada no dia em que se celebra Cosme e Damião, se seus avós freqüentaram reuniões de cultos afro-brasileiros. Querem saber se a pessoa sonha freqüentemente com negros, como sinal de perturbação espiritual - um flagrante preconceito que fere até mesmo a Constituição. Há encontros em que se praticam regressões até a vida intra-uterina. Pede-se que se visualize o espermatozóide do pai encontrando-se com o óvulo da mãe e que sejam detectados sinais de maldição que tenham desdobramentos em sua vida presente.

Ainda que escolas da psicologia advoguem a regressão como técnica terapêutica, ela é inaceitável como prática espiritual. Não há como negar que uma pessoa convertida ainda possa carregar seqüelas emocionais, traumas psicológicos e até desequilíbrios psíquicos.

Entretanto, é inadmissível que um cristão nascido de novo ainda necessite "quebrar" maldições de sua vida passada. A Bíblia contém vários textos que afirmam o contrário: "Não vos lembreis das cousas passadas, nem considereis as antigas... Eu, eu mesmo, sou o que apago as tuas transgressões por amor de mim, e de teus pecados não me lembro" (Is 43.18, 25); "Pois perdoarei as suas iniqüidades, e dos seus pecados jamais me lembrarei" (Jr 31.34); "Se, pois, o Filho vos libertar, verdadeiramente sereis livres" (Jo 8.36); "E assim, se alguém está Cristo, é nova criatura, as cousas antigas já passaram; eis que tudo se fez novo" (2 Co 5.17); Mas, uma cousa faço: esquecendo-me das cousas que para trás ficam e avançando para as que diante de mim estão, prossigo para o alvo, para o prêmio da soberana vocação de Deus em Cristo Jesus" (Fp 3.13-14). Sessões de "cura interior" são inócuas para preservar qualquer pessoa espiritualmente, danosas para a gestação de autênticos discípulos e um horror como cura psicológica.

Alguém que se submete a uma sessão de "cura interior" corre o risco de entrar em uma paranóia espiritual e descobrir que continua sofrendo com seus traumas psicológicos. Conseqüentemente, pode facilmente se desesperar, pois foi-lhe prometido que Deus a curaria instantaneamente.



O evangelho antropocêntrico



Desde a modernidade, e com o apogeu do iluminismo, homens e mulheres subiram em um pedestal. O mundo ocidental acredita que merecemos ser felizes e devemos buscar todos os meios que nos tornem plenos, inclusive Deus. Por isso, aprendemos um conceito religioso egoísta. Entendemos como evangelho o anúncio de um Deus que nos faça bem, que esteja ao nosso dispor. Assim, nossas preces se resumem a pedidos. Queremos que nosso louvor seja agradável a nós mesmos. Compreendemos a conversão como mera descoberta que nos tornou mais felizes.

Hoje, muitos evangélicos "reivindicam" direitos e "decretam" bênçãos. Recentemente, vi um adesivo no carro de um crente que pedia: "Dê uma chance para Deus". Quem será que necessita de uma chance? Deus ou os homens e mulheres que se rebelaram contra Ele, que é amoroso e bom? Estarrecido, soube que há encontros evangélicos em que as pessoas aprendem a "liberar" perdão para Deus. É o cúmulo! Inverteram-se os papéis. Deus agora precisa ser perdoado? Urge voltar ao anúncio do reino em que Ele é Senhor soberano e amorosamente estende sua graça a todos.



Atalhos



Tanto as forças do mercado como a tecnologia pós-moderna condicionam esta geração ao imediatismo. Acredita-se que tudo pode ser resolvido no estalar de dedos. As propagandas na televisão conseguem solucionar os problemas de limpeza de uma casa, garantem seguro médico, prometem férias felizes, dão-nos prestígio. Tudo em 30 segundos. Buscamos também resolver nossos dilemas espirituais nos rápidos momentos de um culto. Infantilmente acreditamos que bastam alguns momentos de êxtase espiritual para subirmos os penosos degraus da maturidade cristã. Paulo admitiu que necessitava mais do que surtos de adrenalina espiritual: "mas esmurro o meu corpo, e o reduzo à escravidão, para que, tendo pregado a outros, não venha eu mesmo a ser desqualificado" (1 Co 9.27). Não há atalhos na escola de Deus.

Nada substitui o discipulado. Nenhum método suplantaria a igreja como comunidade terapêutica. Experimentamos a grandeza de Deus cotidianamente tanto nas amargas derrotas como nos felizes triunfos. Dia a dia aprende-se a sua fidelidade. Devemos olhar com cautela ministérios que prometem a transformação de imaturos em líderes capazes, em um simples final de semana. É potencialmente desastroso montar uma estrutura eclesiástica em técnicas tão velozes. Os modismos são sinais dos tempos. Para não sermos levados por todo vento de doutrina, portemo-nos como os bereanos, conferindo com as Escrituras todas as novidades que surgem no cenário religioso. Acreditemos que passarão os céus e a terra, e só permanecerão aqueles que cumprem a Palavra de Deus.

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